O QUE É CALVINISMO?

O calvinismo é um sistema teológico dentro do cristianismo protestante que recebeu seu nome por conta dos ensinamentos de João Calvino, um dos principais reformadores protestantes do século XVI. É caracterizado por sua ênfase na soberania de Deus, na autoridade das Escrituras e na doutrina da predestinação. O calvinismo se desenvolveu como uma resposta às práticas e doutrinas da Igreja Católica Romana na época da Reforma Protestante.

ORIGEM DO CALVINISMO E CONTEXTO HISTÓRICO

O calvinismo tem suas raízes na Reforma Protestante, um movimento que visava reformar a Igreja Católica Romana. João Calvino, um dos principais líderes deste movimento, foi um teólogo e pastor que sistematizou as doutrinas reformadas em sua obra mais importante, “As Institutas da Religião Cristã” (1536). Esta obra não só delineou as crenças fundamentais do calvinismo, mas também se tornou um dos textos mais influentes da teologia protestante.

QUEM FOI JOÃO CALVINO

João Calvino nasceu em 10 de julho de 1509, em Noyon, França. Inicialmente, ele estudou para ser sacerdote católico, mas depois mudou para o estudo do direito. Durante esse período, Calvino começou a se interessar pelos escritos dos reformadores protestantes e eventualmente se converteu ao protestantismo. Sua conversão o forçou a fugir da perseguição religiosa na França, levando-o a se estabelecer em Basileia, Suíça.

Conheça mais sobre a vida e obra de João Calvino na aula a seguir:

AS INSTITUTAS DA RELIGIÃO CRISTÃ

Em Basileia, Calvino escreveu a primeira edição de sua obra mais influente, “As Institutas da Religião Cristã”, publicada em 1536. Este livro foi uma tentativa de sistematizar as doutrinas protestantes e fornecer uma defesa clara do cristianismo reformado. As “Institutas” abordam uma ampla gama de tópicos teológicos, incluindo a soberania de Deus, a predestinação e a justificação pela fé.

GENEBRA: O CENTRO DO CALVINISMO

Em 1536, Calvino foi convidado a Genebra, Suíça, para ajudar na reforma da igreja na cidade. Embora tenha enfrentado resistência inicial, ele eventualmente se tornou a figura dominante na vida religiosa e política de Genebra. Sob a liderança de Calvino, Genebra se transformou em um centro do protestantismo reformado, atraindo teólogos, pastores e estudantes de toda a Europa.

O SÍNODO DE DORT

O calvinismo continuou a se desenvolver após a morte de Calvino em 1564. Um dos eventos mais significativos na história do calvinismo foi o Sínodo de Dort, realizado na Holanda entre 1618 e 1619. O sínodo foi convocado para resolver uma disputa teológica entre os calvinistas e os arminianos, seguidores de Jacobus Arminius, que contestavam algumas das doutrinas calvinistas. O resultado foi a formulação dos Cinco Pontos do Calvinismo (TULIP), que delinearam as doutrinas centrais da tradição calvinista em resposta às objeções arminianas.

OS CINCO PONTOS DO CALVINISMO (TULIP)

Os cinco pontos do Calvinismo foram uma resposta às objeções arminianas. Ainda que esses pontos sejam bem conhecidos, ainda geram desacordo até mesmo entre os calvinistas.

Alguns acreditam que os termos representados pelo acrônimo TULIP não são as melhores escolhas, enquanto outros abandonaram totalmente o esforço para fazer um acrônimo. Diferentes acrônimos já foram sugeridos, mas dada a fama que o clássico ‘TULIP’ obteve, dificilmente os esforços para mudanças são eficazes. Ele foi formado a partir dos termos em inglês:

  • Depravação Total (Total depravity)
  • Eleição Incondicional (Unconditional election)
  • Expiação Limitada (Limited atonement)
  • Graça Irresistível (Irresistible grace)
  • Perseverança dos Santos (Perseverance of the saints)

Os cinco pontos são interligados de maneira sequencial e complementar, formando um pensamento teológico coeso. Cada ponto depende e reforça os outros, criando um conjunto que reflete a visão calvinista da salvação e da natureza humana.

Esses pontos formam uma estrutura teológica que explica não apenas a salvação, mas também a natureza da interação entre a soberania divina e a condição humana. O sistema como um todo reflete a visão calvinista de uma salvação que é inteiramente obra de Deus, desde a eleição até a preservação final dos santos.

Vamos discorrer sobre cada um dos cinco pontos a seguir:

1. DEPRAVAÇÃO TOTAL

Assim como o pássaro com uma asa quebrada é livre para voar, porém incapaz de fazê-lo, assim também o homem natural é livre para ir a Deus, porém incapaz de fazê-lo. Como pode ele se arrepender de seu pecado enquanto o ama? Como pode ele ir a Deus quando o odeia?1

A doutrina da depravação total é o primeiro dos Cinco Pontos do Calvinismo. Esta doutrina trata da condição espiritual da humanidade em seu estado natural após a Queda.

Depravação total refere-se à extensão e profundidade do pecado na natureza humana. Não significa que todas as pessoas são tão más quanto poderiam ser, mas que o pecado afeta todas as áreas da vida do ser humano: mente, vontade, emoções e corpo. Em outras palavras, cada aspecto da nossa natureza está corrompido pelo pecado e, portanto, somos incapazes de nos voltar para Deus por nossos próprios esforços.

Essa depravação não diz respeito às pessoas serem tão maldosas quanto poderiam ser. Através da graça comum, Deus restringe essa maldade com as leis civis e restrições sociais. Se não fosse assim, cada um de nós poderia ser muito pior do que é. Portanto, a depravação total fala da totalidade: o pecado nos afetou por completo, até o âmago de nosso ser. 

Essa doutrina diz respeito a morte espiritual do homem, e sua completa incapacidade de dar qualquer passo em relação a Deus:

Como um cadáver espiritual, ele é incapaz de fazer um único movimento em direção a Deus, formular um pensamento correto acerca de Deus ou mesmo responder a Deus – a menos que, primeiramente, Deus dê vida a esse cadáver, morto espiritualmente.2

A situação se agrava quando entendemos que além do pecador estar morto para Deus, está muito vivo para o pecado. Isso acontece pois ele está preso no cativeiro de sua própria vontade, que foi corrompida. Assim, o problema humano não só diz respeito a atos isolados de falhas, mas uma corrupção do seu interior, de sua vontade.

Um homem sem o Espírito de Deus não faz o mal contra a sua vontade, sob pressão, como se estivesse sendo agarrado pela nuca e obrigado a fazê-lo, como um ladrão […] sendo arrastado contra a sua própria vontade para a punição; mas ele o faz de modo espontâneo e voluntário. E essa disposição de volição é algo que ele não consegue eliminar, coibir ou alterar por suas próprias forças. Ele continua disposto a, e desejoso de, fazer o mal.3

Ele é livre para se afastar de Deus, mas não para ir em sua direção. O problema humano é que ele não enxerga Deus como desejável; está preso em sua própria volição e em seu próprio pecado. 

A base bíblica para a doutrina da depravação total pode ser encontrada em várias passagens das Escrituras:

Romanos 3:10-12: “Como está escrito: Não há justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só.

Efésios 2:1-3: “E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência; entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também.

Jeremias 17:9: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?

Esse ponto tem implicações importantes:

  • Necessidade da Graça de Deus: Como os seres humanos estão completamente corrompidos pelo pecado, eles são incapazes de se voltar para Deus ou de realizar qualquer ato que os torna merecedores de salvação. Portanto, a salvação deve ser totalmente obra da graça de Deus.
  • Incapacidade Humana: A depravação total enfatiza a incapacidade humana de responder ao chamado de Deus sem a intervenção regeneradora do Espírito Santo. Isso significa que a fé e o arrependimento são dons de Deus, não resultados do esforço humano.

A depravação total é fundamental para entender a condição humana e a necessidade absoluta da graça divina para a salvação. Ela coloca toda a ênfase na obra de Deus em Cristo para redimir e regenerar aqueles que estão espiritualmente mortos em seus pecados.

2. PREDESTINAÇÃO OU ELEIÇÃO INCONDICIONAL

A razão pela qual alguns creem no Evangelho e são salvos por ele é que Deus intervém na vida deles para levá-los a fé.4

Esta doutrina trata da maneira como Deus escolhe aqueles que serão salvos e é fundamental para o entendimento da salvação dentro da teologia calvinista.

Eleição incondicional refere-se à crença de que Deus escolhe, desde a eternidade, quem será salvo independentemente de qualquer mérito, ação ou condição da parte do ser humano. A eleição é baseada exclusivamente na vontade soberana de Deus e não é influenciada pelo comportamento ou escolha futura do indivíduo.

A eleição se refere à escolha de Deus quanto aqueles a quem salvaria. É incondicional porque não há nenhuma condição que o homem tenha de satisfazer antes de Deus escolher salvá-lo.5

De acordo com a doutrina calvinista, esse é o resultado lógico do ponto anterior: se há uma corrupção total da vontade, logo, nossas afeições nunca se voltarão voluntariamente para Deus. É necessário que Deus haja milagrosamente dando vida àqueles que antes estavam mortos. E assim ele o faz através da eleição.

A doutrina da eleição incondicional é apoiada por várias passagens bíblicas que indicam a escolha soberana de Deus para a salvação:

Romanos 8:29-30: “Porque aos que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, para que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou.

Efésios 1:4-5: “Assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para filhos de adoção por meio de Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade.

2 Timóteo 1:9: “Que nos salvou e chamou com uma santa vocação, não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça, que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos.

A ideia aqui não é que a salvação é incondicional. Necessitamos de fé, por exemplo, para sermos salvos. Porém a fé não é condição para a eleição. Pelo contrário, a eleição precede a fé e é um requisito para ela. Deus antes elege, e então, concede a fé. Sem essa eleição, seria impossível para o homem gerar em si mesmo a fé em Cristo.

A doutrina da eleição incondicional tem várias implicações importantes:

  • Soberania de Deus na Salvação: A eleição incondicional sublinha a soberania de Deus na escolha de quem será salvo. Deus exerce controle absoluto sobre o processo de salvação, e a escolha de Deus não depende de qualquer ação humana.
  • Segurança da Salvação: Para os calvinistas, a eleição incondicional garante que a salvação é segura e definitiva. Se Deus escolheu alguém para a salvação, essa eleição é irrevogável e garantida.
  • Humildade e Gratidão: A doutrina promove um senso de humildade e gratidão entre os crentes, pois reconhecem que sua salvação não é resultado de seus próprios esforços ou méritos, mas de uma escolha soberana e graciosa de Deus.

Esta doutrina assegura que a salvação é um ato de graça divina, não baseado em méritos humanos, e oferece segurança e confiança àqueles que creem. Embora tenha gerado controvérsia e debate, a eleição incondicional continua a ser um pilar fundamental na teologia calvinista.

3. EXPIAÇÃO LIMITADA

Quando Cristo morreu especificamente por sua noiva, ele não criou simplesmente uma possibilidade ou uma oportunidade de salvação, mas comprou realmente e obteve infalivelmente para eles tudo que é necessário para torná-los salvos.6

Esta doutrina trata da natureza e extensão da obra redentora de Cristo e como ela se relaciona com a eleição incondicional.

Expiação limitada, também conhecida como “redenção particular” ou “redenção definida”, afirma que a morte de Cristo foi eficaz e suficiente para a salvação dos eleitos, mas não se estende universalmente a todos os seres humanos. Em outras palavras, Cristo morreu especificamente para salvar aqueles que Deus escolheu para a salvação. A expiação é “limitada” no sentido de que sua eficácia é restrita aos eleitos, não universal.

Muitos calvinistas não gostam de usar o termo ‘limitado’ pois este pode passar uma ideia errada: a de que a expiação que Cristo proporciona não tem valor infinito. Os calvinistas não creem assim. Acreditam que a expiação é completamente eficaz para os eleitos. Isso significa que o sacrifício de Cristo realmente alcança e salva aqueles para quem foi destinado. Em vez de limitar o poder de Deus, isso revela um propósito direcionado e eficaz. Deus planejou a redenção de forma a garantir que a expiação cumpra seu propósito de salvar os eleitos.

Existe uma acusação contra a expiação limitada, que argumenta que ela estaria limitando a extensão da obra redentora de Cristo, por não abranger a todas as pessoas. O argumento reformado contra essa acusação pode ser resumido da seguinte maneira: se Cristo morreu por todos, a expiação torna-se limitada em sua eficácia, visto que não garante a salvação a ninguém em sua totalidade; já, se morreu apenas pelos eleitos, a obra expiatória de Cristo é completamente eficaz.

Para entender isso, um exemplo pode ajudar:

Imagine duas pontes. Uma delas é uma ponte muito larga, mas só vai até metade do abismo. A outra é uma ponte estreita, mas se estende até o outro lado.7

Quando as coisas assim nos são apresentadas, entendemos a visão calvinista: faz mais sentido uma ponte estreita, mas que cumpre de fato o seu papel, do que uma larga, mas que não chega onde é necessário.

Essa doutrina é fundamentada em várias passagens bíblicas que indicam que a morte de Cristo tem um propósito específico e determinado:

João 10:14-15: “Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas e das minhas sou conhecido. Assim como o Pai me conhece a mim, e eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas.

Atos 20:28: “Portanto, vede por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com seu próprio sangue.

Efésios 5:25: “Vós, maridos, amai a vossa mulher, assim como Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela.

A doutrina da expiação limitada tem várias implicações:

  • Eficácia da Expiação: Para os calvinistas, a expiação limitada destaca que a morte de Cristo é eficaz para garantir a salvação dos eleitos. Cristo não apenas possibilita a salvação, mas efetivamente a realiza para aqueles que foram escolhidos por Deus.
  • Segurança da Salvação: A crença na expiação limitada contribui para a segurança da salvação dos crentes, pois assegura que a obra redentora de Cristo é plenamente suficiente e eficaz para todos os eleitos. A salvação é garantida e não depende da capacidade humana de responder.
  • Natureza da Redenção: A expiação limitada também enfatiza que a redenção é uma obra particular e intencional de Cristo, dirigida especificamente aos eleitos. Isso reflete a intenção divina e a eficácia da missão redentora de Cristo.

Esta doutrina destaca a eficácia da obra redentora de Cristo e oferece segurança para os crentes ao garantir que sua salvação está assegurada pela obra de Cristo.

4. GRAÇA IRRESISTÍVEL

Porém chamastes-me com uma voz tão forte que rompestes a minha surdez! Brilhastes, cintilastes e logo afugentastes a minha cegueira!8

‘Graça Irresistível’ trata da forma como Deus efetivamente chama os eleitos para a salvação, garantindo que eles responderão positivamente ao chamado. Refere-se à crença de que a graça de Deus, quando destinada aos eleitos, é eficaz e infalível em trazer esses indivíduos à salvação. Quando Deus decide salvar uma pessoa, Sua graça operante transforma o coração dessa pessoa de modo que ela inevitavelmente responderá com fé e arrependimento. Essa graça não pode ser resistida ou rejeitada pelos eleitos, pois é poderosa o suficiente para superar a resistência humana.

Essa doutrina não diz que não podemos resistir à graça de Deus, mas que, sempre que deseja, o Espírito Santo pode vencer toda resistência. Na verdade, por conta de nossa inclinação pecaminosa, sempre tentaremos resistir a Deus. Porém, a obra e agir Soberano do Espírito Santo é capaz de vencer a rebelião de nossos corações e nos trazer a Cristo.

Assim, “a graça irresistível não arrasta o indisposto para o Reino; ela muda a disposição do coração9. Ela não opera forçando o indivíduo exteriormente, mas conquistando-o interiormente. 

Aqui é importante entendermos a diferença entre ‘chamado geral’ e ‘chamado eficaz’, visto que a pregação do Evangelho deve ser feita a todos e, nesse sentido, Deus chama todos ao arrependimento. 

O chamado geral é feito a todos, e é um convite para que todas as pessoas se arrependam dos seus pecados e se voltem a Cristo. Refere-se à pregação do evangelho e à oferta da salvação a todas as pessoas sem distinção. O problema é que esse chamado, por si mesmo, não produz vida. As pessoas ouvem o Evangelho, mas o rejeitam.

Já o chamado eficaz opera no interior da pessoa. É a obra do Espírito Santo que transforma e regenera o coração do eleito, levando-o à fé e ao arrependimento. Nesse chamado, é o próprio poder do Espírito operando, de modo que a voz de Cristo traz o morto de volta à vida. A ressurreição de Lázaro é um bom exemplo: “‘Lázaro, venha para fora’ (Jo 11.43), e o chamado de Deus trouxe o homem morto à vida.10

A doutrina da graça irresistível é suportada por várias passagens bíblicas que falam da obra eficaz de Deus em trazer os pecadores à salvação:

João 6:37: “Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora.

João 6:44: “Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.”

Efésios 2:8-9: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie.”

Além disso, a doutrina da graça irresistível tem várias implicações, tais como:

  • Soberania de Deus na Salvação: Graça irresistível sublinha a soberania de Deus na obra da salvação. É Deus quem inicia e completa a salvação dos eleitos, garantindo que Sua vontade será realizada.
  • Transformação do Coração: A graça irresistível implica uma transformação profunda e eficaz do coração humano. Deus muda o coração de pedra para um coração de carne, capacitando a pessoa a responder em fé e arrependimento.

Esta doutrina destaca a soberania de Deus e o poder de sua voz, onde indivíduos mortos em pecados são vivificados ao ouvir a voz de Cristo.

5. PERSEVERANÇA DOS SANTOS

Deus persevera com seus santos e, devido a isso, os próprios santos também perseveram.11

Esta doutrina trata da segurança e continuidade da salvação dos eleitos, assegurando que aqueles que são verdadeiramente salvos permanecerão na fé até o fim. Ou, como comumente falamos, “uma vez salvo, salvo para sempre”.

A perseverança dos santos afirma que aqueles que Deus escolheu e chamou eficazmente à salvação, e que foram regenerados pelo Espírito Santo, não podem perder sua salvação. Eles serão preservados pela graça de Deus e permanecerão na fé até o fim de suas vidas. Esta doutrina é também conhecida como a “segurança eterna” ou “segurança dos crentes”.

Essa doutrina ensina que aqueles que foram salvos lutarão para manter firme sua fé, mesmo passando por tempos de sofrimento, dificuldade e dúvidas. Assim, perseverança não quer dizer perfeição ou que os santos não passarão por grandes dificuldades em sua caminhada de fé, mas que Deus manterá os seus eleitos combatendo o combate da fé. 

Às vezes eu pergunto às pessoas: por que você crê que acordará como um cristão amanhã de manhã? Por que acha que terá a fé salvadora quando acordar amanhã? […] A resposta é o agir contínuo de Deus e não o meu compromisso constante.12

O pertencimento a Cristo é uma realidade sobrenatural, produzida por Deus e mantida por Ele. Assim, a obra de Deus é irrevogável. Deus transforma os cristãos e os dá nova vida em Cristo; assim, essa realidade não pode ser perdida.

A doutrina da perseverança dos santos é suportada por várias passagens bíblicas que falam da segurança e preservação dos crentes na fé:

João 10:28-29: “E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai.

Romanos 8:38-39: “Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.

Filipenses 1:6: “Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo.

A doutrina da perseverança dos santos tem várias implicações importantes:

  • Segurança da Salvação: A perseverança dos santos assegura aos crentes que sua salvação está segura nas mãos de Deus. Aqueles que são verdadeiramente regenerados e justificados por Deus serão guardados por Seu poder até o fim.
  • Confiança na Soberania de Deus: Esta doutrina enfatiza a soberania de Deus em sustentar a fé dos crentes. Deus, que começou a boa obra de salvação, será fiel para completá-la, independentemente das circunstâncias.
  • Motivação para a Santidade: Embora a salvação esteja garantida, a perseverança dos santos também incentiva os crentes a viverem vidas santas e obedientes. A evidência da salvação genuína é uma vida transformada e perseverante na fé.

A perseverança dos santos é uma doutrina que assegura que aqueles que são verdadeiramente salvos serão guardados pela graça de Deus até o fim de suas vidas. Esta doutrina oferece conforto e segurança aos crentes, garantindo que sua salvação está segura nas mãos de um Deus soberano e fiel.

DIFERENÇA ENTRE CALVINISMO E ARMINIANISMO

Para entender as diferenças entre calvinismo e arminianismo, acesse o artigo completo sobre Arminianismo:

IMPACTO DO CALVINISMO NA SOCIEDADE

O calvinismo, longe de tocar somente a teologia, teve um impacto profundo e duradouro na sociedade, influenciando não apenas a esfera religiosa, mas também a política, economia, educação e cultura em geral. A seguir, estão algumas das áreas mais significativas em que o calvinismo deixou sua marca.

POLÍTICA E GOVERNANÇA

O calvinismo contribuiu para o desenvolvimento de ideias democráticas e republicanas. A ênfase na soberania de Deus e na igualdade espiritual dos indivíduos promoveu a ideia de que todas as pessoas são iguais perante Deus, o que se traduziu em demandas por maior participação política e direitos civis.

Em Genebra, sob a liderança de João Calvino, foi estabelecido um governo que combinava elementos teocráticos e republicanos, influenciando posteriormente os sistemas de governo em vários países.

Na Inglaterra, os puritanos calvinistas desempenharam um papel crucial na Revolução Puritana do século XVII. Este movimento contribuiu para o desenvolvimento da monarquia constitucional e do parlamentarismo britânico.

ECONOMIA

Max Weber, em seu famoso estudo “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, argumentou que a ética de trabalho protestante, fortemente influenciada pelo calvinismo, desempenhou um papel vital no desenvolvimento do capitalismo moderno.

A ênfase calvinista na diligência, frugalidade e responsabilidade pessoal criou uma cultura de trabalho árduo e disciplina que foi propícia ao desenvolvimento econômico e à acumulação de capital.

O calvinismo também promoveu a ideia de que todas as formas de trabalho honesto são uma vocação divina, quebrando a distinção entre trabalho sagrado e secular. Isso levou a uma maior valorização de todas as profissões e contribuiu para o crescimento econômico e a inovação.

EDUCAÇÃO

Os calvinistas foram grandes defensores da educação, acreditando que todos deveriam ser capazes de ler a Bíblia. Esta ênfase levou à criação de sistemas educacionais robustos em regiões influenciadas pelo calvinismo.

Universidades e escolas foram fundadas por calvinistas em várias partes do mundo, incluindo a Universidade de Genebra e a Universidade de Harvard nos Estados Unidos, que foi estabelecida por puritanos calvinistas.

A insistência na alfabetização para a leitura das Escrituras também incentivou a educação universal e a criação de escolas públicas. Isso teve um impacto significativo na elevação dos níveis de educação e alfabetização nas sociedades influenciadas pelo calvinismo.

CULTURA E SOCIEDADE

O calvinismo moldou profundamente a cultura ocidental, especialmente em países como Suíça, Holanda, Escócia, e Estados Unidos. A moralidade calvinista, com seu foco na integridade, honestidade e autodisciplina, influenciou normas culturais e sociais.

Festivais, práticas e tradições culturais em muitas sociedades ocidentais também foram influenciados pelos valores e crenças calvinistas.

E embora o calvinismo inicial tivesse uma atitude mais austera em relação às artes, com o tempo, calvinistas influenciaram a literatura, a música e outras formas de arte. Autores como John Bunyan, com seu clássico “O Peregrino”, refletem valores calvinistas em suas obras.

MISSÕES E EVANGELISMO

O calvinismo desempenhou um papel significativo na expansão missionária. Missionários calvinistas levaram o cristianismo a várias partes do mundo, incluindo a América do Norte, África e Ásia. A teologia calvinista também influenciou a abordagem missionária, enfatizando a pregação do evangelho e a soberania de Deus na salvação.

NEOCALVINISMO HOLANDÊS

O neocalvinismo holandês surgiu no final do século XIX, impulsionado por figuras como Abraham Kuyper e Herman Bavinck. Esse movimento teológico foi uma resposta às mudanças sociais e políticas na Holanda, num contexto de crescente secularização.

Os neocalvinistas defendem a ideia de que a soberania de Deus se estende a todas as esferas da vida, não apenas à igreja, o que implica que a fé cristã deve influenciar todos os aspectos da sociedade, como a política, a educação e a cultura. Além disso, eles introduziram o conceito de “graça comum”, que sugere que Deus concede uma medida de graça a toda a humanidade, permitindo a existência de ordem, moralidade e progresso fora da influência direta da igreja.

Outro ponto central do neocalvinismo é a ênfase em uma cosmovisão cristã, onde a fé é vista como um elemento que molda a visão de mundo e deve ser aplicada em todos os campos da vida. Kuyper, em especial, defendia a ideia de “esferas de soberania”, onde diferentes áreas da vida (como a família, o governo, a igreja) têm sua própria autonomia, mas todas devem estar sob a soberania de Deus.

NOVO CALVINISMO

O ‘New Calvinism’, ou ‘Novo Calvinismo’, é um movimento teológico contemporâneo que emergiu com força no início do século XXI. Embora enraizado na tradição reformada, o movimento se diferencia por sua abordagem moderna e por uma nova geração de líderes que revitalizaram e popularizaram a teologia calvinista entre um público mais amplo.

Esse movimento foi influenciado por pastores, autores e teólogos como John Piper, Tim Keller e Kevin DeYoung, que desempenharam papéis importantes na promoção das ideias calvinistas por meio de conferências, livros, mídias sociais e igrejas em crescimento. O Novo Calvinismo é marcado por uma forte ênfase na soberania de Deus, na centralidade do evangelho, na doutrina da eleição e em uma visão robusta da graça de Deus.

Além das características teológicas tradicionais do calvinismo, o Novo Calvinismo também adota uma postura culturalmente engajada, buscando aplicar princípios reformados em contextos contemporâneos e urbanos. É comum entre os seguidores do movimento um foco na plantação de igrejas, na renovação litúrgica e em uma preocupação com questões sociais, embora mantendo uma teologia conservadora.

CONCLUSÃO

O calvinismo tem deixado uma marca indelével na história do cristianismo. Desde os tempos de João Calvino, suas doutrinas moldaram igrejas, comunidades e nações, influenciando não apenas a teologia, mas também a cultura, a política e a sociedade.

Ele proporciona uma visão profunda da relação entre Deus e a humanidade, oferecendo conforto e segurança para muitos crentes ao enfatizar a graça divina e a certeza da salvação. Por outro lado, suas interpretações rigorosas e, às vezes, exclusivistas têm sido objeto de debate e controvérsia ao longo dos séculos.

No contexto contemporâneo, o calvinismo continua a ser relevante, desafiando os crentes a refletirem sobre a natureza da fé, a responsabilidade humana e a obra soberana de Deus. Seja aceitando ou questionando suas doutrinas, o estudo do calvinismo enriquece o entendimento teológico e espiritual, incentivando uma busca mais profunda pelo conhecimento de Deus.

Assim, ao concluir este estudo sobre o calvinismo, somos lembrados da importância de um engajamento teológico contínuo e cuidadoso. As doutrinas calvinistas nos convidam a uma reverência renovada pelo poder e pela misericórdia de Deus, nos convidando a uma profunda humildade diante de Cristo, reconhecendo nossa total dependência Dele em todas as coisas, especialmente na salvação.


Referências Bibliográficas

  1. BOETTNER, Reformed Doctrine of Predestination, p. 62.
  2. BOICE, James Montgomery; RYKEN; Philip Graham. As Doutrinas da Graça. São Paulo: Vida Nova, 2017, p. 84.
  3. LUTERO, Martinho. The Bondage of the Will. Westwood, N.J.: Revell, 1957, p. 319.
  4. BOICE; RYKEN, op. cit., p. 117.
  5. PIPER, John. Cinco Pontos: em direção a uma experiência mais profunda na graça de Deus. São José dos Campos: Fiel, 2014, p. 67.
  6. PIPER, op. cit., p. 49.
  7. BOETTNER, Loraine. The Reformed Doctrine of Predestination. Grand Rapids, Mich.: Eedmans, 1948, p. 153.
  8. AGOSTINHO. Confissões. Editora Montecristo, 2020, p. 87.
  9. PIPER, op. cit, p. 37-38.
  10. BOICE; RYKEN, op. cit., p. 157.
  11. BOICE; RYKEN, op. cit., p. 182.
  12. PIPER, op. cit., p. 92-93.
Compartilhe essa postagem

Posts relacionados

ARMINIANISMO

O que é Arminianismo? O arminianismo surgiu no início do século XVII, durante um período de intensos debates teológicos na

Leia mais
plugins premium WordPress