Mary Oliver disse certa vez: “A atenção é o início da devoção” 1. No entanto, nós lutamos, não é mesmo? para colocar nossas mentes nas “coisas do Espírito”2 e “nas coisas que são do alto, onde Cristo está”3.
Sabemos que a mente atenta ao Espírito é “vida e paz”, mas ficaríamos envergonhados ao admitir com que frequência buscamos os estímulos vazios das redes sociais e feeds de notícias. E é fácil declarar que somos excepcionalmente prejudicados por nossa Era da Distração e pela competição implacável por nossa atenção. Será que estamos realmente indefesos, condenados a mentes sempre distraídas e roladoras de feeds?
Nos passos de quem não se distrai
Em minha própria guerra contra as distrações, encontro esperança e ajuda em santos que viveram séculos antes da nossa era digital. Leia lentamente estas palavras de Agostinho, descrevendo “o noivo que é belo onde quer que esteja”:
Ele era belo no céu, então, e belo na terra: belo no ventre, e belo nos braços de seus pais. Ele era belo em seus milagres, mas somente tão belo quanto sob os flagelos, belo como ele nos convidou para a vida, mas belo também em não recuar diante da morte, belo em dar sua vida e belo em tomá-la novamente, belo na cruz, belo no túmulo, e belo no céu. 4
Se tivéssemos uma máquina do tempo e pudéssemos puxar este homem capturado pela beleza de seu Amado para nossa era digital, será que a força dos iPhones e fones de ouvido desviariam sua atenção de Deus? De forma alguma. A maneira como Agostinho fala sobre Cristo me convence de que ele não poderia não ser cativo da beleza de Deus. Ele é mantido firme e sem distrações pela mesma paixão de uma coisa que cativou Davi:
Uma coisa peço ao Senhor e a buscarei:
que eu possa morar na Casa do Senhor
todos os dias da minha vida,
para contemplar a beleza do Senhor
e meditar no seu templo.
Salmos 27:4
Jonathan Edwards, outro santo indistraível, achou Deus não apenas belo, mas “o fundamento e a fonte […] de toda a beleza”5. Em seu sermão sobre “As excelências de Deus”, ele disse à congregação:
Deus é em todos os sentidos transcendentalmente mais amável do que a mais perfeita e amável de todas as criaturas. Se os homens têm grande deleite e prazer em contemplar e desfrutar das perfeições e belezas de seus semelhantes mortais, com que êxtases, com que doce arrebatamento, as doces glórias e belezas do Deus abençoado serão contempladas e apreciadas! 6
Como Agostinho, Edwards ficou encantado com a beleza de Deus em Cristo e certamente nunca trocaria essas “doces glórias e belezas do Deus abençoado” pelas cisternas vazias de clickbaits. A questão é: nós trocaríamos? Podemos nós, santos comuns vivendo na Era da Distração, ser tão capturados pela beleza de Deus que nos tornamos cada vez mais indistraíveis?
Beleza de Toda Beleza
Antes de respondermos, devemos esclarecer o que queremos dizer com “beleza” de Deus. Os filósofos adoram refletir sobre a ideia de beleza. Quando meditam sobre o que é verdadeiramente belo, eles recebem (talvez sem saber) vislumbres do Deus que é belo.
Beleza é bondade, e Deus é bom (Salmo 119:68). A beleza deleita e desperta o desejo, e Deus é o nosso deleite e o desejo dos nossos corações (Salmo 37:4). A beleza exibe perfeição, e nosso Pai celestial é perfeito (Mateus 5:48). A beleza brilha com radiância e esplendor, e Cristo é o resplendor do nosso Deus que está vestido com glória e majestade (Salmo 104:1; Hebreus 1:3).
A beleza ressoa em harmonia e unidade, e a unidade do Pai, Filho e Espírito é a eterna perfeição da harmonia. A beleza é gratuita, assim como as cores deslumbrantes do pôr do sol não são necessárias para marcar a transição do dia para a noite; e nada é mais gratuito que o amor de Deus em enviar seu Filho para morrer por nós “enquanto ainda éramos pecadores” (Romanos 5:8). Em suma, beleza nos lembra de Deus, “a Beleza de todas as coisas belas”7.
A beleza de Deus é uma qualidade de sua glória, e quando experimentamos essa qualidade, somos preenchidos com deleite e desejo. Nós o encontramos irresistivelmente adorável aos nossos olhos, incomparável (Salmo 89:6), e então desfalecemos por estar com ele (Salmo 63). Sua beleza é o que, quando o temos, nos enche “de alegria indizível e cheia de glória” (1 Pedro 1:8).
Quem pode ver tamanha beleza?
Nem todos veem a beleza de Deus. Alguns são “inimigos de Deus” que “trocaram a glória do Deus imortal por imagens” (Romanos 1:23, 30). É por isso que Samuel Parkison diz que há um componente estético na salvação: quando o Espírito nos regenera, ele nos capacita a “contemplar a beleza da Trindade mediada em Cristo”. Essa nova capacidade de ver a beleza de Deus não é mera percepção intelectual; ela “inclui as afeições”, então somos tocados e atraídos por sua beleza 8.
John Piper esclarece, com base em Efésios 1:18 e 2 Coríntios 4:4, que essa nova capacidade de contemplar a beleza de Deus é com os olhos do nosso coração, nossos “olhos espirituais”9. E assim como com outros dons e capacidades que recebemos do Espírito, devemos “avivar a chama do dom de Deus” (2 Timóteo 1:6). Nossos olhos espirituais devem ser santificados, devem amadurecer e se desenvolver, devem ser afinados e calibrados, até que encontremos Cristo irresistivelmente belo onde quer que o vejamos. Portanto, cultivar nossa capacidade de “ver e saborear” a beleza de Deus em Cristo é um meio de graça na guerra por nossa atenção.
Como cultivar olhos para Deus
Como esse poder do novo coração é estético, poderíamos aprender algumas coisas sobre atender à beleza de Deus com aqueles que ensinam apreciação da arte. Os docentes e artistas de museus poderiam nos treinar em “olhar lento” e “atenção imersiva”, e essas habilidades, replicadas às nossas meditações na palavra de Deus, poderiam ajudar a aprimorar nosso olhar sobre a beleza do Senhor.
Mas Deus não é uma pintura ou uma estátua. Ele é belo e pessoal; sua beleza nos leva através e além da apreciação e admiração para afeição e devoção. Devemos unir o estético e o pessoal, da maneira que Georgia O’Keeffe fez quando disse: “Ver leva tempo, assim como ter um amigo leva tempo”.
Então, quando sugiro que uma das melhores maneiras de crescer em nossa apreciação da beleza de Deus é ler teologia, você pode imediatamente estranhar. Mas depois que você parar de coçar a cabeça (e antes de parar de ler), ouça C.S. Lewis:
De minha parte, tendo a achar os livros doutrinários frequentemente mais úteis na devoção do que os livros devocionais, e suspeito que a mesma experiência pode aguardar muitos outros. Acredito que muitos que acham que “nada acontece” quando se sentam ou se ajoelham para um livro de devoção, descobririam que o coração canta sem ser convidado enquanto eles trabalham em um exerto difícil de teologia.10
“O coração canta sem ser convidado” quando trilhamos nosso caminho por entre a melhor teologia porque a teologia coloca diante de nós a bondade e as perfeições de Deus para que as vejamos — vejamos a ele, nosso Amado — mais claramente.
Recomendações em Beleza
Na melhor das hipóteses, a teologia abre nossos olhos para a beleza de Deus nas Escrituras, elevando nossa leitura da Bíblia a um ato de comunhão e amor com nosso Senhor enquanto ele puxa o véu para que os olhos de nossos corações contemplem a beleza da glória do Senhor (2 Coríntios 3:18).
Mas, é claro, nem todos os livros de teologia fazem nossos corações cantarem. Alguns são escritos pelo Dr. Dryasdust, com um vocabulário especializado e atenção a controvérsias sutis que podem manter o véu sobre nossos olhos. Mas há escritores teológicos, os herdeiros de Agostinho e Edwards, que veem a beleza de Deus e a mostram lindamente. O Conhecimento de Deus, de J.I. Packer, e A Santidade de Deus, de Sproul encheu meu coração de música quando os li pela primeira vez. John Piper intencionalmente e fielmente segue os passos de santos não distraídos como Agostinho e Edwards.
E há os puritanos ingleses. Sua prosa do século XVII às vezes nos testa, mas eles são guias especialistas para a beleza de Deus. John Owen resumiu o objetivo de todos os seus conselhos e práticas: “Para encorajar nossos corações a se entregarem mais plenamente ao Senhor Jesus Cristo, considere suas glórias e excelências”11.
Leia, ore, encontre
Por mais estimulante que a teologia no seu melhor possa ser, ela não é um fim em si mesma. Ela nunca pretende substituir um encontro direto com Deus, o próprio assunto da teologia. Admirar a beleza trina em Cristo é uma experiência pessoal — é comungar com ele. Então, quando lemos teologia, deixemos que nossa leitura seja imersa em oração, como a escrita dela certamente foi.
Aprendamos a amar nosso lindo Deus em sua revelação pessoal, pois “somente o amor torna possível que a contemplação sacie o coração humano com a experiência da felicidade suprema”12. E nessa comunhão com Deus, ficaremos satisfeitos e encontraremos a “vida e paz” sem distrações que Paulo nos chama (Romanos 8:6), um antegozo diário de nossa felicidade eterna, nos aquecendo na beleza de Cristo:
Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser; mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos como ele é.
1 João 3:2
Texto traduzido de https://www.desiringgod.org/articles/devotion-in-an-age-of-distraction